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sábado, 3 de agosto de 2013

Discursar é bonito, o difícil é viver bonito



 Por Samuel Lima (*) 

Olá, Está chegando o momento que antecede as eleições do campo majoritário de 2014. Os candidatos se mobilizam de norte a sul e de leste a oeste com discursos que prometem fazer uma ponte pro céu, salário de mínimo de cinco mil reais, ressuscitarem mortos, transformar água em vinho e coisas desse naipe. Saiu nos noticiários em quase todo o Brasil que o fulano foi cassado, o beltrano morreu, o sicrano jogou sujo - comprando votos e agora foi descoberto e levou o farelo. Para aqueles que procederam erroneamente, falo no linguajar regional. Toma-ti! Bem feito. 

Já estava arrumando a minha boroca pra zarpar rumo à Portel, meu pedacinho de céu no recanto do o Pará, como diz a letra da música do meu irmão conterrâneo, Gilberto Paranhos. De repente o telefone toca. Uma voz me fala aos ouvidos: “Samuca, o Filisbino (nome fictício) não é mais vereador, conseguiu fazer uma manobra com o governo e vai ser candidato a deputado estadual e o nosso amigo Pantaleão (idem) vai assumir a vaga dele. A posse está marcada pra segunda-feira e tu vai fazer o discurso de posse e coordenar o evento da solenidade”. A pessoa que ligou me deixou sem ação ao ponto de ficar na hora sem palavras. “Tá bem, respondi”. Depois, eu odiei a mim, mesmo por ter dado aquela resposta. 

Ano passado trabalhei em três frentes de campanhas políticas, em três cidades distintas, como consultor de marketing e saí exausto por excesso de trabalho. Todo dia era a mesma coisa: pesquisa de campo, planejamento estratégico, tático, conversa com a militância, análise de swot e o principal – o discurso do candidato pra diferentes tipos de platéia. Às vezes é uma coisa prazerosa, em outras, estressantes. O bom de tudo, é quando no final, vem à recompensa com a vitória nas urnas, mas devo admitir, que, certos produtos oferecidos, nem sempre são aquilo que foi prometido durante a campanha. Pois, a partir do discurso de posse, poderá ou não haver contradição. 

Certas solenidades nunca perdem aquele ar solene. Pra ficar somente nessa nossa tenebrosa civilização ocidental cito algumas de nossas mais caras solenidades: batismo, enterro, formatura, baile de debutantes (a torturante “Primeira Valsa”), casamento (o delicioso “Último Tango”). Atualmente, o que existe de mais solene em termos de “pompa e circunstância”? Ora, não precisa nem pensar muito: é POSSE. Ganha de qualquer solenidade. Escolhem-se tudo do melhor. Melhores roupas, melhores convidados, melhores discursos, melhores recepcionistas... Todos querem brilhar. De qualquer jeito. 

E, como toda solenidade que se preza, convidado é a coisa mais interessante de se observar e identificar: a secretária, o apressado, o enfadado, o cansado, o entusiasmado, o “que diabos estou fazendo aqui?”, o “telefonista”, o parente, o amigo do peito, a esposa, o assessor, o... Pera aí. Aquele não tem definição. Vamos analisar com calma. Está um pouco deslocado. Talvez esteja apenas procurando um lugar onde ficar. Ah sim, o sacrificado!... O sacrificado está desempregado – vai continuar assim -, mas conseguiu um convite com um amigo. “Pra fazer uma social, sabe?”, seja lá o que isto signifique. Pra ir, consultou todos os oráculos: Tarô, faca na bananeira, búzios, baralho, borra de café, a mãe. Compra um terno fiado numa loja de departamentos em prestações a perder de vista, passagens - idem, estadia nem pensar, vai voltar com fome ou vai ter de miguelar e se safar no coquetel. É o que menos tem afinidades com o que está “rolando” na solenidade. Não escuta nem os discursos. Sofre-os. E discurso de posse tem que ser longo. Mesmo que não diga muita coisa. 

Quem assiste pela primeira vez “E o vento levou...” sabe o significado de esperar pelo final e ele não chegar nunca. “Quando você pensa que o filme está acabando ainda tem o triplo de enredo pra acontecer”. E discurso de posse, além de longo, tem que ser chato. Pré-vestibular pra monge tibetano. Ou alguma espécie de teste para saber quem está com quem. Exemplo: se o orador for o empossado e o cara ao lado, com o traseiro doendo, disser: “Nossa como fala!”. Pode escrever: é do lado dos que estão saindo. Os convidados dos empossados são condescendentes. É. Porque é difícil você ouvir um discurso e não ver alguém bocejando ou se revirando na cadeira, tossindo, pigarreando, falando alguma "abobrinha". 

Alguns discursos são fatais. Mais fatais do que outros. Parece que o orador entoa um mantra cavalar pra boiada dormir. Como o famoso “hipnotizador de lagartixas”. O próprio nome já diz tudo. O cara começa a discursar e... Pimba! Até as lagartixas relaxam e começam a cair do teto. Existem filmes que, de tão ruins, viram cult. Discurso, não. E não existe exceção à regra. Só existe o lado de quem você está. Aí, você arremeda um: “até gostei”. Ou fica calado. Desculpem. Minto. Existem discursos bons, sim. Porém, não são discursos. Foi o orador que os classificou como tal. São simples peças de decoração ou entretenimento. 

Decorrente disso narro seguir a cena mais épica por mim já vivido em toda a minha existência. Quando cheguei ao Amapá no início da década de 90, logo após ter saído do exército fui assistir um comício pra cargos municipais em 1992. Nesse palanque estavam os candidatos da coligação do PMDB, cujo personagem mais eminente era o Ex- presidente José Sarney, que referendava o nome do candidato Giovane Borges a prefeito de Santana, o segundo maior município amapaense. 

Ao começar o grande comício, como de praxe falou primeiros os candidatos a vereadores. Dentre estes, uma figura pioneira da cidade, bastante popular, conhecidos de todos, pois era feirante, porém de limitadíssima cultura. Este era o antepenúltimo orador da noite – era o que antecederia o político maranhense, que por sua vez, introduziria o candidato a prefeito. Pois, bem, foi recomendado nos bastidores que todos os oradores da noite teriam a obrigação de falar bem do homem do bigode. 

Ao “Mano Grasso” o último candidato a vereador que falaria, por ser o pioneiro morador da cidade e também o primeiro feirante – teve alguns ensaios pra fazer bonito diante do ilustre convidado. A recomendação do teor do discurso era falar inflamadamente e quase sem puxar o fôlego: saudar, homenagear, bajular lisonjeiramente o ex-chefe de Estado. Só que os organizadores do evento não levaram em consideração a emoção e as limitações do pobre homem. Quando chegou a vez de sua apresentação no palanque, este já entrou nervoso e o pior, esqueceu o conteúdo do discurso. Nesse ínterim, o marqueteiro entrou em cena e lhe soprava aos ouvidos de maneira discreta. Assim, não querendo fazer feio, o pseudo-orador se portava inquietamente, vez dando ouvidos ao marqueteiro, vez olhando pro homem do bigode e noutra se dirigia gaguejando ao público – que o retribuía com sonoras vaias. Até que o trêmulo candidato se lembrou de sua fala e assim bradou ao convidado Sarney: “Tô diante dexi homi que já foi de tudo nexi país – ‘já foi vereador... prefeito... deportado estadual... federal, senadú, presidente da repúbrica...e por último (esqueceu-se por um instante e depois falou), É da firma brasileira de letras, meus manos velhos”. Enquanto discursava um porre bradou do meio da multidão: “Dá logo o “C” pra ele puxa saco duma figa”!!!. 

Ofendido, Mano Grasso retribuiu em público no microfone: “Olha F.D.P., eu te conheço,viu seu corno”. Em seguida olhou pro Sarney e disse: “Sarney, mano velho, me discorpa, mas esse safado vai me pagar.” E num gesto brusco pulou de cima do palanque e correu em disparada atrás do ofensor. Já se passavam das 23h:30min quando o último orador falou. Tempos mais tarde, soube que o indivíduo que bradou a ofensa, era um de seus próprios correligionários que, pela demora do comício, não suportou esperar pelo pagamento do cachê, o qual seria pago pra sua turma – um bando de papudinhos que teriam de soltar gritos, agitar a bandeira e soltar foguetes no momento que esse mencionado candidato entrasse na ribalta. 

Naquela noite quase morro de tanto rir. Foi a partir de então que, comecei a tomar gosto por esse ofício – o Marketing Eleitoral, que de tempos em tempos me fazem lembrar esse episódio. O candidato a prefeito se elegeu, ao passo que o vereador não. Mas reconheço que aquela cena hilária foi o trampolim pra eu passar a ter gosto pela ciência do marketing. Por essa razão, sempre analiso o que falam os candidatos, para depois filtrar a diferença do discurso para a prática. Pois, a diferença de falar bonito é viver o que se prega - o que se torna bonito. Como disse Mao Tse Tung: Palavras convencem, exemplos arrastam. 

(* ) Portelense, economista, pesquisador chefe do Instituto de Pesquisa Socioeconômicas do Estado do Amapá, atual Secretário Municipal de Planejamento do Município de Mazagão (AP).

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