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domingo, 28 de julho de 2013

Homenagem ao dia dos pais e o meu primeiro corte de cabelo



Por Samuel Lima (*)

Olá!

É madrugada e estou sentado à mesa na qual me sento como artesão na arte de trabalhar meus projetos de ordem econômica e também nas horas vagas, na arte de trabalhar as letras – quando engendro minhas idéias - que preenchem este espaço diariamente.

A noite está fria, mas, maravilhosa. A minha rede está atada à minha espera - um pouco surrada, porém, macia e convidativa. Em alguns instantes depois, a noite ficou muito escura e esparsamente pontilhada de pontos cintilantes, prateados no universo escuro, por nuvens ameaçadoras de chuva, que castigaram a cidade, nesse inverno que não deu trégua.

Busco inspiração para escrever. A minha mente abstrai-se de tudo e o pensamento voa. Dos escaninhos de minhas lembranças distantes, como raios fulgurantes, emergem lembranças de um passado longínquo. Por não ter podido ir nesse final de férias pra nenhum lugar, especialmente à Portel (PA), minha cidade natal, as lembranças mais uma vez, me impeliram para viajar no túnel do tempo e relembrar os feitos de infância naquela encantadora terrinha. A partir de então, entrei no facebook e bati papo com vários amigos portelenses (Ronaldo de Deus, Miro Pereira, Roberto Andrada, J Raimundos e Raimundos, Vereador Ronaldo Alves, Carlos Moura, Rosana do Hotel Marino, Zezé do Castelo, Gerson Pereira e Joana Lima – minha irmã).

Após desligar o notebook, resolvi deitar, mas o sono não veio. Aí vieram as lembranças. Vejo-me pela primeira vez, diante de um homem magro, alto, de óculos fundo de garrafa – seu Antônio Canela, o temível barbeiro da cidade, que tal qual ao dentista, tinha o condão de amedrontar as crianças. Talvez tivesse uns seis anos de idade, quando chegou o dia aguardado da visita à barbearia.

Morávamos na Rua Castelo Branco, entre as ruas Padre Antônio Vieira e a Magalhães Barata. Era uma manhã de sábado. Meu pai tomou-me pela mão direita e na do meu irmão, o Lucio e seguimos à barbearia. Minha mãe passou sua mão tutelar sobre a minha cabeça, num carinho sutil e saímos como cordeiros ao matadouro. Um temor inquietante deixava-me nervoso.

Para mim, o barbeiro era um carniceiro, sempre com uma tesoura e uma navalha empunho, disposto a cortar o pescoço de menino chorão. Antecipadamente pensava no meu sangue que, certamente, o barbeiro faria jorrar. Passamos pela jaqueira do vizinho – um senhor cognominado “Tuxaua” – que morava na Rua 1º de Maio, esquina com a Magalhães Barata. As frutas expostas e com o seu cheiro convidativo, provocavam água na boca. Mesmo diante do medo, aquelas frutas convidavam despertar o apetite infantil. Fomos caminhando pela rua íngreme, lamacenta e escorregadia.

O meu pai resolveu conversar com a gente, para tirar-nos daquela mudez, quebrada apenas pelo nosso caminhar na depreciada rua. A jaqueira ficava cada vez mais distante. Mais adiante ficava a Grupinho “Jurú” vigiado pelo seu Aristides, onde crianças diferentes de mim, ali brincavam e, talvez, sem o medo de cortar o cabelo. Nosso pai nos animava. “Meninos, a barbearia (na casa do Seu Antônio Canela) não está muito longe”. Ficava próximo ao Clube de Mães, Na Rua Dez de Dezembro. Dobramos na esquina da Oficina de bicicletas do Seu Barbosa (Pai do Lourão), que cortava os remendos dos pneus furados com uma amolada faca, que fazia me lembrar da navalha afiada do barbeiro. Muitas pessoas iam e vinham. Umas com galinhas penduradas; outras com colchão de porco amarrado com barbante; outras com cachos de banana transportados na cabeça; outros empurrando com os pés o botijão de gás rumo ao depósito de vendas da concessionária de mesmo nome - a Paragás. Era um burburinho mercadológico de cidade interiorana.

Finalmente, chegamos à barbearia, uma sala desajeitada, quase envolvida de uma penumbra. Filtrada pelo clarão que projetava de uma pequena janela. Eu continuava mudo. O coração disparava e as mãos suavam frio. Os fregueses tagarelavam e riam e não sei de que. Não achava nenhuma graça daquela situação de agonia. O barbeiro querendo ser simpático cumprimentou meu pai e tirou uma “onda” comigo. Nem leu nos meus olhos o estado de nervos com que me encontrava, consolou-me, com palavras reanimadoras. Vi um filete de sangue jorrar do pescoço de um cliente. O barbeiro passou um liquido com um algodão tentando estancar o sangue. Aquilo me apavorava ainda mais. Está chegando a hora fatal. Quando o carrasco ia nos guilhotinar - foi quando ouvi dizer: “Seu Zé Oliveira, chegou à vez dos seus meninos e qual deles vai primeiro”? perguntou o profissional. “Vai aí o mais velho” – respondeu o papai, animado. Nesse momento tive vontade de correr, desaparecer. Meu pai pegou-me com seus braços fortes e colocou-me em cima de uma caixa de madeira, que havia sido colocada sobre a cadeira, para aumentar altura. Não tive alternativa senão chorar.

Eu já não chorava, gritava mesmo. O barbeiro embrulhou-me num pano branco, como se fosse uma mortalha, o que fez lembrar mais da morte. E continuava: ai! ai! não quero! não quero! Me largue seu Antônio Canela. Sacudia-me todo. O barbeiro para me acalmar disse: “fica quieto, senão vou cortar tua orelha”. A frase em vez de me acalmar, deu-me foi mais pavor, mas fui deixando aos poucos de me mexer. Meu pai impoluto, observava tudo com tranqüilidade. O barbeiro pode então começar cortar o meu cabelo e as primeiras mechas de cabelos lisos começaram cair no chão. No momento da navalha, meu pai a mim solidário, dispensou o uso daquele instrumento para fazer o pé do cabelo. Finalmente, depois do corte do meu irmão que não deu tanto trabalho como eu - papai pagou o barbeiro com algumas notas de um cruzeiro.

Ao voltarmos para nossa residência, passamos na baiúca do saudoso Sabá Correia e o papai comprou pra nós umas donzelas com guarasuco. Chegando em casa, nossa mãe, nos olhou e nos afagou, dizendo: aqueles cabelos eram dos que vão no navio dos cabeludos. Agora estão parecendo uns rapazinhos. Tempos depois, papai insistiu com aquela obsessão de mandar cortar nossos cabelos iguais aos dos milicos da época. Por estarmos vivendo na ditadura militar brasileira, quem era cabeludo era sinal de subversivo ou malandro. “Deus me livre de deixar meus filhos assim”, diziam as senhoras da época, fazendo o sinal da cruz.

Com o passar do tempo, apareceu o Edisvan Soares – que era um barbeiro bem mais atualizado, e começou fazer cortes mais bacanas e menos pelado. Mas o papai insistia com os cortes cuias - corte no pente zero com apenas o topete na extremidade frontal da cabeça. Certa vez, de tanto me darem selo (bofete na careca) e me chamarem de urubu pelado, fui humilhado dentro de sala de aula. Não titubeei dessa vez e respondi: “É o C da tua mãe”. Aí o ofensor se sentiu ofendido e disse: “Vou te pegar lá fora, no recreio”. “Umbora ver – respondi”. Quando bateu a campainha do intervalo, caímos na porrada no quintal da escola (Amazonas). Com isso fomos parar na secretaria. Ao ser inquirido pela diretora da época – Dona Maria Matos, disse: “Amanhã vocês só entrarão na escola com a presença dos pais de vocês aqui”. Era o fim de uma época (do corte de cabelo pelado) que hoje me traz nostalgia e risos.

Enfim, por estar findando o mês de julho e entrando no mês seguinte – que, segundo o calendário gregoriano, homenageia aos pais no segundo domingo de agosto. Em face disto, presto aqui em público o honroso e antecipadamente “FELIZ DIA DOS PAIS”, a todos os genitores brasileiros, em vida. Particularmente, aos portelenses e, em especial, a memória daqueles que já se foram - que para os filhos (as) nunca morreram e continuam seus eternos heróis – os quais descansam de suas fadigas e suas obras os acompanham, e dentre esses, jaz na minha mente, a eterna memória do senhor José de Oliveira Lima – O meu Pai.

(*) Portelense, economista, pesquisador e atual Secretário Municipal de Planejamento em Mazagão (AP). E-mail: samlima17@yahoo.com.br – facebook: Samuel Barbosa Texto publicado em 28 de julho de 2013, em Santana-AP – Brasil.

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